Se eu fosse o teu patrão

O ano de 1978 foi marcado pela Ópera do Malandro que deu à Chico Buarque o prêmio Moliére de autor de teatro do ano. Além da peça de teatro ele escreveu dezenas de músicas para o projeto. Ouvir todas as músicas da Ópera pode ser uma ótima atividade de sala de aula, sobretudo no ensino médio. É possível fazer um estudo da Era Vargas a partir das diversas letras e expandir o conhecimento musical - já que as músicas foram compostas em vários ritmos como samba, samba de breque, marcha, fox-trot, valsa, rock além das paródias de óperas famosas. Pra começar veremos a música "Se eu fosse o seu patrão".

O populismo de Getúlio Vargas (1930-1945) estava baseado na industrialização e nas leis trabalhistas, porém, ao instituir os sindicatos e legalizar o trabalho, Vargas também centralizou a administração. Apesar de ter instituído praticamente todas as garantias do trabalho: salário-mínimo, salário família, 8 horas, descanso semanal, férias, aposentadoria, os sindicatos ficaram subordinados ao governo e as leis trabalhistas valiam apenas para os trabalhadores urbanos - numa época em que o Brasil tinha a maioria da mão-de-obra no campo. Apesar disso Getúlio soube associar seu nome ao trabalhismo, perseguindo a malandragem, dando um novo significado ao trabalho e passando para a história como o "pai dos pobres". Esse populismo que ao mesmo tempo "dava aos pobres" e preservava os interesses da elite foi uma das contradições políticas melhor exploradas por Getúlio. O controle da massa também foi ajudado pela cultura de massa urbana - com o advento do rádio e a popularização do futebol nos estádios. A letra da música "Se eu fosse o teu patrão" consegue explorar essa contradição evidenciando um patrão que trata "mal" e uma patroa que parece tratar "bem". Embora com uma letra "pesada" de palavras "duras" a sutileza da dominação não deixa dúvidas. A partir da explicação desses elementos perceba que as mulheres representam o populismo getulista, pois, mesmo maltratando os empregados ainda conseguem ser idolatradas. Foi nessa época que surgiu a figura do "pelego" (originalmente uma pele de carneiro que se colocava entre o cavalo e a sela para amenizar os impactos) que agia dentro do sindicato tentando amenizar as relações entre patrões, empregados e governo.

Se eu fosse o teu patrão (1977-1978)
Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque

Os homens cantam:

Eu te adivinhava
E te cobiçava
E te arrematava em um leilão
Te ferrava a boca, morena
Se eu fosse o teu patrão

Ai, eu te tratava
Como uma escrava
Ai, eu não te dava perdão
Te rasgava a roupa, morena
Se eu fosse o teu patrão

Eu te encarcerava
Te acorrentava
Te atava ao pé do fogão
Não te dava sopa, morena
Se eu fosse o teu patrão

Eu te encurralava
Te dominava
Te violava no chão
Te deixava rota, morena
Se eu fosse o teu patrão

Quando tu quebrava
E tu desmontava
E tu não prestava mais, não
Eu comprava outra morena
Se eu fosse o teu patrão

As mulheres cantam:

Pois eu te pagava direito
Soldo de cidadão
Punha uma medalha em teu peito
Se eu fosse o teu patrão

O tempo passava sereno
E sem reclamação
Tu nem reparava, moreno
Na tua maldição

E tu só pegava veneno
Beijando a minha mão
Ódio te brotava, moreno
Ódio do teu irmão

Teu filho pegava gangrena
Raiva, peste e sezão
Cólera na tua morena
E tu não chiava não

Eu te dava café pequeno
E manteiga no pão
Depois te afagava, moreno
Como se afaga um cão

Eu sempre te dava esperança
De um futuro bão
Tu me idolatrava, criança
Se eu fosse o teu patrão

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